Mortes de policiais militares exibem fragilidades da profissão...


O clima na cidade ainda era de Réveillon. As luzes do Natal ainda iluminavam as principais avenidas. O contraste da alegria estava no saguão do Hospital de Emergência e Trauma, em João Pessoa. Ali, uma família aguardava, apreensiva, por notícias do sargento Sandro Pereira, 43 anos, atingido por estilhaços de bala durante uma abordagem a suspeitos no bairro do Geisel. Naquela madrugada, 3 de janeiro, o sargento entraria para a lista de policiais mortos em serviço na Paraíba.

A notícia da morte causou dor e revolta. Enquanto a família do sargento chorava publicamente, pedindo justiça, policiais tentavam se manter firmes diante da perda do colega. No velório, muitos desabaram. O choro, antes contido, agora era declarado. Lamentaram a morte do sargento, mas viram ali, também, algo que poderia acontecer com eles. “Quando um policial morre, o Estado também é atingido”, disse o presidente da Associação dos Militares Estaduais da Paraíba (Amep), Sérgio Rafael.

Mônica Pereira, irmã do sargento, lembrou que os boatos sobre um policial que havia sido baleado surgiram nas redes sociais. “Alguém me disse...ei, Bola foi baleado”, contou. Bola era o apelido do sargento entre familiares e amigos. “Quando cheguei à casa da minha cunhada (mulher do sargento), ela assistia TV tranquilamente. Ainda não sabia de nada. Até então a Polícia Militar (PM) não tinha nos informado nada”, disse. O policial era casado e deixou dois filhos.

Segundo Mônica, o irmão se orgulhava de ser policial militar. No Trauma, ela teve a chance de conversar com Sandro naqueles instantes que seriam os últimos do sargento. O policial deu entrada no Trauma consciente e orientado, conforme boletim emitido pela PM, mas horas depois veio a falecer devido a complicações. Segundo o atestado de óbito, a causa da morte foi parada cardiorrespiratória.

O sangue derramado pela farda é o mesmo que ainda hoje faz a família do sargento chorar. O mesmo que faz uma tropa refletir sobre os riscos da atividade policial e pedir melhores condições de trabalho, segundo a Amep. Há reclamações de viaturas quebradas e de coletes vencidos. Outra reclamação frequente é que, mandar para as ruas apenas dois policiais em uma viatura, é aumentar os riscos de um deles ser atacado.

Disparo nas costas tirou a vida do tenente Ulysses

Na foto de capa do Facebook, o tenente Ulysses Costa aparece orgulhoso com a farda da Polícia Militar e arma em punho, pronto para o combate. A foto sugere uma homenagem do tenente à corporação da qual fez parte. Se a intenção realmente foi essa, impossível saber. O tenente perdeu a vida em combate, durante troca de tiros em Mangabeira, no dia 4 de fevereiro deste ano. O tiro nas costas acabou com os sonhos do policial que na semana seguinte faria 32 anos. Foi o segundo policial morto em serviço este ano na Paraíba.

A família do tenente não quis conversar com a reportagem, embora tenha sido procurada. Por telefone, um dos primos dele disse: “Não vamos falar, não vai adiantar mais nada. Ulysses está morto”. A reportagem respeitou o momento, não insistiu. O tenente fazia parte do Serviço de Inteligência da Polícia Militar. No dia que foi morto, Ulysses estava à paisana, em busca de suspeitos no conjunto Cidade Verde. Socorrido para o Ortotrauma, não resistiu. Há duas semanas, dois dos quatro suspeitos de envolvimento na morte do tenente foram liberados pela Justiça.

O terceiro policial morto este ano na Paraíba foi o cabo João Laurentino, de 48 anos. Ele estava de folga e bebia em um bar no município de Bayeux, quando um homem chegou ao local no intuito de matar a garçonete. O policial tentou intervir e acabou baleado. Ele e a mulher morreram.

Mesmo com os baixos salários (o salário inicial de um soldado é de R$ 2.695), homens e mulheres que vestem a farda da polícia saem diariamente de casa para entrar, literalmente, na linha de frente no combate à criminalidade. Em troca aos anos de dedicação, são enterrados com honras militares, o Estado paga o auxílio-funeral. Recebem homenagens póstumas. A PM disse que “em todos os casos honrou seus heróis que tombaram dando a vida pela sociedade”.

Mas a polícia quer mais: pede, em vida, uma olhar mais cuidadoso por parte dos gestores da Segurança Pública, segundo destacou Sérgio Rafael, da Associação dos Militares Estaduais da Paraíba (Amep). Ele disse ainda que uma das principais demandas da categoria é a implantação do Plano de Cargos, Carreira e Remuneração (PCCR).

Policiais denunciam coletes vencidos

“Muitos de nós (policiais) trabalhamos com coletes vencidos. Isso é uma realidade que persiste. Também temos problemas de munições vencidas, mas ninguém faz nada. Nós fingimos que estamos seguros e a corporação faz de conta que está tudo bem”, relatou um policial militar que atua em João Pessoa ao ser questionado sobre as atuais condições de trabalho. Ele não quis se identificar, alegando o risco de sofrer represálias.

Para a Polícia Militar, relatos como esse são inverídicos e sem fundamento. Em resposta ao JORNAL DA PARAÍBA, foi informado que a polícia jamais teve tão boas condições de trabalho quanto hoje. Em relação ao colete balístico para policiais em serviço, a informação foi de que essa questão foi resolvida desde 2011, quando havia 1.500 coletes. Hoje, segundo a corporação, existem mais de 7 mil.

O diretor de apoio logístico da PM, coronel Paulo Sérgio, também negou a falta de coletes. “Ao contrário, temos em estoque. Essas queixas nada mais são que politicagem, não há provas de que isso seja verdade. Temos mais coletes que homens nas ruas”, afirmou o coronel. Em seguida, ele rebateu a informação de que policiais trabalham com munição vencida. “Temos mais de 500 mil em estoque”, declarou.

Para o presidente da Amep, Sérgio Rafael, a segurança pública não está recebendo a devida atenção. “No início desse governo temos que admitir que a situação era outra. Ele (o governador) deu uma atenção especial às polícias, mas infelizmente isso não continuou”, frisou. Apesar dos problemas elencados, Rafael disse que é preciso reconhecer os avanços, como, por exemplo, o pagamento de bônus a policiais.

Lembranças de quem perdeu o colega

Para quem perdeu colegas no combate, o que fica, junto com a dor, é o alerta de que a atividade requer cautela. Na Unidade de Polícia Solidária (UPS) do Geisel, onde o sargento Sandro Pereira trabalhava há um ano, as lembranças revelam um policial comprometido com a segurança pública e sempre disposto a ajudar os colegas. “Era um policial disciplinado e muito prestativo. Ajudou bastante no policiamento da área. Era uma pessoa muito boa, um profissional exemplar”, declarou o tenente Fábio Freitas, comandante da UPS.

O nome do sargento Sandro agora deve se juntar aos demais policiais mortos em serviço. Lembranças representadas no Memorial do Policial Militar, no Centro de Ensino da Polícia Militar, inaugurado em 2013. É nesse local que estão nomes como o do 2º sargento Jefferson de Lucena, morto durante troca de tiros no município de Campina Grande, em 2012; e o do cabo Michel Nascimento, que morreu após ser atropelado quando realizada rondas no bairro de Mangabeira, em 2013.

O secretário de Segurança Pública da Paraíba, Cláudio Lima, disse que o objetivo da gestão é que não haja morte de policiais no Estado, nem durante o serviço e nem nos horários de folga. “Importante ressaltar que nessa perspectiva de policiais mortos no exercício de suas atividades, temos um dos menores números do país. Dedicamos atenção a todas as ocorrências”, afirmou.

O que diz a PM

As condições de trabalho nunca foram tão boas quanto hoje

A distribuição do efetivo policial leva em conta a população e as ocorrências na localidade

A contratação de mais policiais não depende apenas da vontade do Estado

520 novos policiais foram incorporados ao quadro

Sem viaturas blindadas

Recentemente, o governador Ricardo Coutinho (PSB) vetou o projeto de lei que previa a obrigatoriedade do uso de viaturas blindadas pelas polícias Civil e Militar. Haveria inconstitucionalidade na matéria, segundo a justificativa apresentada.


Fonte Jornal da Paraíba

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